A Fertilização "in vitro" (FIV)
A FIV consiste basicamente na retirada de óvulos do ovário da paciente, fertilização destes com o sêmen do marido no laboratório e na posterior transferência dos embriões resultantes para o útero.
Realizada com sucesso pela primeira vez na Inglaterra em 1978 pelos Drs. Robert Edwards e Patrick Steptoe, a fertilização in vitro revolucionou todo o tratamento da infertilidade humana. A partir deste procedimento, feito de uma forma quase artesanal e técnica rudimentar, incríveis progressos surgiram nesta área. No Brasil em 2018 cerca de 43 mil ciclos de FIV foram realizados e cerca de 0,5% dos nascimentos sendo provenientes das técnicas de reprodução assistida. O número é bem baixo se considerarmos que nos USA a taxa fica em torno de 2% dos nascimentos e na Dinamarca cerca de 10%.
As principais indicações para o uso desta técnica são as seguintes:
- Fatores masculinos: Baixa contagem de espermatozoides, baixa motilidade, distúrbios da morfologia, presença de anticorpos antiespermatozoides;
- Fatores femininos: Alterações hormonais com distúrbios ovulatórios, endometriose, lesões nas trompas com obstrução;
- Esterilidade sem causa aparente.
Atualmente, existem duas técnicas mais utilizadas: a FIV Técnica Clássica e a FIV ICSI, as quais descrevemos a seguir.
Para a realização da FIV – Técnica Clássica, algumas etapas devem ser observadas:
1- Avaliação da Paciente
A paciente deve ser cuidadosamente avaliada e todos os exames pertinentes devem ser solicitados para o procedimento ser realizado com a máxima eficiência. Dentre estes exames temos: Avaliação hormonal com exames de sangue, ultrassonografia transvaginal, histeroscopia, histerossalpingografia, colpocitologia oncótica e espermograma.
2 – Protocolo de Medicamentos
Após avaliação inicial, um protocolo com os medicamentos a serem administrados à paciente é elaborado para obtermos produção de um número adequado de óvulos a serem fertilizados. Durante a estimulação ovariana com estas drogas, a monitoração da paciente com ultrassonografia transvaginal seriada e exames de sangue são necessários, para podermos prever com exatidão o momento ideal de se fazer a retirada de óvulos.
3 – Aspiração de Folículos
Admissão da paciente na clínica para a aspiração de folículos e obtenção de óvulos. Neste dia, a paciente em jejum é encaminhada ao Centro Cirúrgico, num ambiente absolutamente estéril, onde é submetida a uma sedação por via endovenosa e através de ultrassonografia transvaginal podemos visualizar o ovário e os folículos. Conectado ao transdutor transvaginal está uma agulha especial que irá puncionar os folículos para obter os óvulos para o processo de fertilização. O líquido que é obtido do folículo contém o óvulo e é entregue à bióloga. Ele é examinado no microscópio e transferido para uma incubadora. Esta é uma máquina que imita o ambiente do corpo humano, onde os óvulos ficam incubados para fertilizarem após a adição de espermatozoides. Os óvulos ficam em pequenos pratos plásticos, imersos em um líquido que simula as condições da trompa da mulher, onde eles seriam normalmente fertilizados. Após a seleção e colocação dos óvulos na incubadora, uma amostra de sêmen é obtida do esposo e preparada para o processo de fertilização. Dependendo do caso, cerca de 100 a 500 mil espermatozoides são adicionados a cada prato com os óvulos e deixados por um período de 17 a 18 horas para o processo de fertilização. Após este período, os pratos são inspecionados e a presença de fertilização é confirmada pela observação de 2 pronúcleos no óvulo. Acompanhamento diário é feito para se avaliar a evolução das divisões celulares do embrião formado.
4 – Transferência de Embriões
Novamente a paciente é admitida na clínica para a transferência de embriões. Dependendo do caso, ela é feita entre o segundo e o sétimo dia após a retirada de óvulos. O processo consiste em colocarmos os embriões em um cateter plástico, extremamente macio e maleável, e o introduzirmos através do colo até o interior do útero onde estes são depositados. O procedimento é guiado por Ultrassonografia feita por via abdominal para se visualizar com precisão ao local ideal para se depositar os embriões. O cateter usado para a transferência embrionária tem uma ponta de material especial que pode ser visualizada com nitidez no Ultrassom permitindo ótima visualização. Após o procedimento a paciente deve permanecer em repoiso por um período de algumas horas na Clínica e depois por cerca de 24 horas em casa. Apesar de alguns trabalhos mostrarem que o repouso não seria obrigatório após o procedimento, em nossa visão, a paciente poder descansar e relaxar após todo o processo pode fazer diferença no resultado.
Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide
A ICSI revolucionou o tratamento da infertilidade especialmente em relação ao fator masculino. A técnica consiste na injeção de um único espermatozoide dentro do citoplasma do óvulo da mulher. O procedimento só foi possível graças ao desenvolvimento de microscópios especiais e micromanipuladores que permitem através de movimentos microscópicos ultrafinos, a manipulação precisa de óvulos, espermatozoides e embriões. A técnica permite que homens com taxas de espermatozoides muito baixas, sem motilidade ou pacientes com falha de fertilização em FIV anteriores possam ter sucesso em gerar filhos.
O procedimento é uma “variante” da FIV onde todas as etapas iniciais são idênticas nos dois procedimentos. A diferença está exatamente no processo de fecundação do óvulo: enquanto que na FIV clássica o óvulo é incubado com cerca de 100 a 500 mil espermatozoides, na ICSI somente um espermatozoide é utilizado por óvulo.
Utilizada inicialmente para solucionar os casos mais difíceis de infertilidade masculina, a ICSI hoje está sendo utilizada em larga escala até mesmo nos casos onde não há alteração de espermatozoides. Atualmente, alguns Centros fazem unicamente ICSI em todos os casos de fertilização artificial. Uma variante da ICSI é a Super ICSI onde através de lentes de aumento muito poderosas (até 6000 x de aumento) acopladas ao microscópio se consegue visualizar o melhor espermatozoide para se fazer a injeção e com isso conseguimos melhorar as taxas de fertilização e aumentar as taxas de gestação até 60%.
De acordo com o registro do CDC nos USA em 2017 foram realizados 284.385 ciclos de reprodução assistida em 448 clínicas, com nascimento de 78.052 crianças. Cerca de 1,7 % dos nascimentos nos USA são por reprodução assistida.
A FIV é o procedimento com maior taxa de sucesso, para se obter uma gestação. Em alguns casos, procedimentos adicionais podem ser realizados para se aumentar a taxa de sucesso. Abaixo, listamos alguns desses procedimentos.
Assisted Hatching
Este procedimento, desenvolvido por Cohen em 1990, geralmente é feito no intuito de melhorar as taxas de implantação dos embriões. O processo consiste em fazer um pequeno orifício na parede externa dos embriões (zona pelúcida), possibilitando que haja melhor fixação do material embrionário na parede do útero.
Geralmente, se faz o processo nos embriões gerados após uma FIV. O procedimento é realizado utilizando-se técnicas de micromanipulação. Nestes casos, se utiliza o Laser acoplado ao microscópio para produzir um pequeno corte de 30 micrômetros na parede do embrião.
As indicações para se realizar o processo são idade materna avançada, reserva ovariana diminuída, zona pelúcida muito espessa, falha de implantação em FIV prévia, aumento de fragmentação embrionária e clivagem embrionária reduzida.
Observa-se um aumento médio de cerca de 15% nas taxas de gestação nestes casos em relação aos casos sem “assisted hatching”.
PGT - Teste genético pré implantação (Antigo PGD)
A sigla significa teste genético pré-implantação para detectar aneuploidia que é anomalia genética. O teste é realizado preferencialmente em embriões com 5 dias de evolução, que estariam no estágio de Blastocisto. Se faz uma biópsia embrionária com retirada de algumas células que são enviadas para a análise e com isso se sabe se o embrião em questão é geneticamente perfeito ou não. Existe a possibilidade de se ter o resultado em 24 hrs o que permite a transferência no dia seguinte ( PGT-A overnight) ou o Teste Clássico com o resultado em 7 dias. Neste caso o blastocisto é congelado e se realiza a transferência no ciclo seguinte.
Atualmente se utiliza a técnica chamada NGS ( Next Generation Sequencing ) para este exame.
Recentemente o termo PGD/PGS foi modificado no intuito de se uniformizar a nomeclatura. Passamos a se utilizar as siglas abaixo:
- PGT Teste Genético Pré-Implantacional (em substituição a PGD e PGS), com a existência de algumas especificações;
- PGT-A Pesquisa de Aneuploidias;
- PGT-SR Pesquisa de Translocações e Inversões;
- PGT-M Pesquisa de doença Monogênica (hereditária), como: anemia falciforme, fibrose cística e outras.
Antigamente denominado de PGD, o PGT ou Teste Genético pré-implantação é uma técnica que visa aumentar as chances de sucesso no procedimento de fertilização in vitro. Ela consiste da análise genética dos embriões produzidos pela fertilização in vitro, e com isso possibilita a seleção dos melhores embriões a serem transferidos para o útero. Outro aspecto é se saber de antemão o sexo do bebê a ser transferido. O procedimento é realizado através da técnica de micromanipulação. Os embriões, no estágio de blastocisto são biopsiados através de pequeno orifício que é feito com a aplicação do Laser na parede e algumas células são retiradas e submetidas a análise cromossômica para se saber se seu conteúdo genético é normal. Este procedimento até o momento é considerado seguro e não causa alterações posteriores no desenvolvimento embrionário e na gestação.
Trabalhos mais recentes estão sendo desenvolvidos no intuito de se evitar a manipulação invasiva no embrião e se obter o DNA para análise genética no meio de cultura onde o embrião foi cultivado. Com isso se evitaria a biópsia embrionária, diminuindo os riscos e custos.
Num futuro próximo, talvez esta seja a técnica a ser utilizada, se os trabalhos em andamento mostrarem que ela é realmente eficaz.
Testes Endometriais
A análise de receptividade endometrial (ERA), é mais uma ferramenta que dispomos para melhorar as taxas de implantação. É um teste que avalia a janela de receptividade endometrial, isto é, indica quando a transferência de embriões deve ser realizada.
Este exame de diagnóstico molecular usa o NGS (sequenciamento de nova geração) para analisar o nível de expressão de 248 genes associados à receptividade endometrial. É um teste altamente sensível e específico na detecção da janela de implantação o que permite uma transferência de embriões personalizada.
O exame é feito através de. uma biópsia do endométrio, onde o material obtido é analisado e classificado como receptivo ou não receptivo, pré ou pós receptivo, dependendo do perfil de expressão do RNA.
O teste não garante que irá acontecer uma gravidez, mas fornece informações importantes sobre o endométrio melhorando as taxas de gravidez.
O EMMA é mais um teste que podemos utilizar para nos ajudar a melhorar as taxas de gravidez. Ele analisa o microbioma endometrial, ou seja, a presença de bactérias no endométrio. Estudos mostram que o equilíbrio entre bactérias saudáveis e outras à nível endometrial podem influenciar na implantação embrionária.
O teste indica se há o equilíbrio do microbioma endometrial, nos dando informação sobre as proporções de bactérias saudáveis, incluindo aquelas ligadas a taxas de gravidez mais elevadas. Do mesmo modo que o ERA o teste é realizado a partir de uma biópsia endometrial.
O teste ALICE detecta as principais bactérias patogênicas ligadas à endometrite crônica e identifica o tratamento adequado.
A endometrite crônica está ligada à falha da implantação e ao aborto de repetição.
Nos casos de falhas de implantação repetidas ou perda gestacional recorrente, a probabilidade de endometrite crônica chega a cerca de 65%, segundo alguns estudos.
Também se observa maior, frequência de alterações no teste em casos de endometriose.
O exame é realizado, através de biópsia endometrial.
Injúria Endometrial
Durante alguns anos, este procedimento que consiste em se fazer através de uma pequena cânula plástica, pequenas arranhaduras na parede do endométrio, aumentaria as taxas de implantação embrionária por causar um processo de regeneração na parede uterina e com isso melhor a possibilidade de implantação. Entretanto um extenso trabalho apresentado pela Dra Sarah Lensen durante o Congresso Europeu ( ESHRE) em 2018, demonstrou que não há benefício real na realização desta técnica.